Um legado, uma história, o fim da estrada: Sebastião Curucaca
Sebastião Fernandes de Lima é o nome do patroleiro conhecido em vários município da região como Curucaca. O apelido surgiu entre os colegas de trabalho e perpetuou até os dias atuais, inclusive entre os filhos e filhas, conhecidos como “os Curucacas” e “as Curucacas”, e carregados com orgulho por todos.
Nascido em Prudentópolis, Curucaca trabalhou em Guarapuava e ajudou na terraplanagem do terreno onde hoje está a Cooperativa Agrária, na Colônia Vitória. Curucaca também trabalhou em Laranjeiras do Sul, Porto Barreiro, Nova Laranjeiras entre outros municípios.
Sebastião fez história em Cantagalo por ser o primeiro patroleiro do município, quando de sua emancipação, onde abriu e restaurou muitas estradas. Foi convidado a trabalhar pelo primeiro prefeito da cidade, o sr.Guilherme de Paula Neto.
Pai de cinco filhos ( Rita, Edna, Edimara, Edson e Evandro), avô de 12 netos e 5 bisnetos, marido de d. Maria da Luz, casados por 57 anos. Sempre muito ligado à família, gostava de festejar e era ele o rei da festa: amoroso, animado, disposto a ajudar, envolvia a todos com seu jeito carinhoso de receber. As festas de final de ano, Dia dos Pais e Dia das mães eram eventos grandiosos no sítio do Curucaca.
Muitas histórias constroem a vida do Bastião patroleiro. Entre elas o costume de dar carona para a piazada na patrola. Ele não desconhecia ninguém e ajudou muitas pessoas, inclusive recebendo-as em sua casa. Ajudava a todos ao seu redor e, se necessário, tirava a roupa do corpo para cuidar de um familiar ou amigo.
Por morar às margens da BR 277, sempre que um caminhão quebrava ali por perto, ajudava como podia. Recebia os trabalhadores da rodovia com conversa boa e num determinado dia, chovia e os trabalhadores estavam parados, levou café para todos “se esquentarem”. E se algum acidente acontecia ali perto da ponte do rio Cavernoso, sinalizava e ajudava como podia.
Muitos andarilhos e andejos passavam e, se algum parava em sua porta, dava a comida de sua mesa e não o que “tivesse” pra dar. Nos seus últimos dias, um andarilhos parou e pediu ajuda à esposa e a filha. Antes de sair, o homem orou pelo Curucaca, já bastante enfraquecido.
Certa vez encontrou um tapete cheio de sangue quase embaixo da ponte. Chamou a polícia e isso foi de grande ajuda para a solução de um crime que aconteceu em Guarapuava.
Um acontecimento muito marcante na memória dos filhos era a presença de um cachorro que ia aonde o Curucaca ia. Esse cachorro não perdia uma pescaria. Em uma das saídas para pescar, um carro acabou batendo no “Digbi”. Sebastião chegou em casa chorando e com o cachorrinho no colo.
Os filhos contam que ao voltar “do mato”, onde estava abrindo ou arrumando estradas, trazia na patrola muitas coisas que ganhava dos colonos. Ali vinham melancias, laranja, galinhas, porco, mandioca, batata doce, limão entre outros presentes que faziam a alegria da esposa e da filharada. Comprava roupas para as crianças em 10 vezes, uma vez por ano, mas também, sempre que dava, comprava iogurte e doces. Os tempos não eram fáceis…
Curucaca era um pescador apaixonado. Realizou um dos sonhos de sua vida ao comprar o sítio na ‘beirada do rio” onde pescou por muitos e muitos anos, acompanhado da esposa, dos filhos e dos netos. Ensinou a todos o amor pela pescaria, pela tralha da pesca (cuidada com muito carinho e capricho) e pelo preparo antes de ir para o rio. Sempre recebeu pescadores e fez muitos amigos com essa prática sincera. Os amigos pescavam e ainda aproveitam o famoso ensopado de peixe que ele fazia. E mais, Sebastião juntava a piazada dele e saiam pescar no sábado e no domingo, e assim ter “mistura” para a semana.
Os filhos e netos têm muitas histórias para contar que dariam um belo livro. Ele parava tudo para cortar cana em palitinhos para eles, sempre tinha bala, bolacha, cueca virada, bolo e pãozinho esperando as visitinhas da criançada. Além do que, sempre tinha uma receita de chá ou remedinho para qualquer dorzinha dos grandes ou dos pequenos. Amassava feijão para os pequenos, dava mel, quando tomavam chuva no sítio, e nos narizes trancados, passava “bálsamo bengue”. Era chamado pelos netos de “Vô do rio”, por morar nas margens do Cavernoso.
Cortou um dedo moendo cana para o gado. Pôs no gelo, levou para o Cantagalo, mas acabou perdendo.
Um clássico da história familiar foi quando a filha mais velha, Rita, levou o namorado (seu esposo há 37 anos) para conhecer o pai bravo ( tinha essa fama) e fez o rapaz ( Nilson) comer um pote de pepino azedo feito pela dona Maria. E o rapaz comeu e conquistou o sogro. Os outros genros e noras também ouviam uma lista de conselhos quando vinham conhecê-lo. Via os genros como filho, e as noras como filhas: “ Eu não tenho genro e nem nora, eu tenho mais filhos e filhas.”
Ele sempre aconselhava os netos, os amigos e conhecidos as visitas no caminho do bem…
Algumas de suas frases ecoam na memória de todos:
“ Deus faz muito mostrar”
“ Cama não é casa de BNH”
“Fogo faz xixi na mão de criança”
“ Pra comer chama um vez, pra trabalhar insiste”
“Coma bem pra não sair falando”
“Ando bom, bonito e com jeitão de véio”
“Vivo arranhando, mas não largo a minha gata”
Tenho dois amores: uma loira ( a patrola) e uma morena ( Dona Maria)
“ Deus é quem sabe”
“Pai é aquele que está no céu”
“Que Deus, Nossa Senhora Aparecida e Santa Rita de Cássia acompanhem todos vocês”
No aniversário dos filhos e netos, ligava e cantava parabéns…Onde seu Curucaca estava, a alegria era geral. Teve muitos amigos que fez no rabalho e foi um profissional caprichoso e querido.
O município de Cantagalo homenageou sua última saída pela estrada rumo à última morada: o cortejo foi aberto por uma patrola.
Na sequência, os carros, os filhos soltavam muitos foguetes, coisa que ele amava. Estavam presentes a esposa, os filhos, os netos e os amigos.
Figura marcante na vida de todos, deixará um vazio e muita saudade.
Curucaca faleceu no dia 17 de setembro de 2025, aos 79 anos. Foi sepultado no Cemitério Municipal de Cantagalo. Na despedida, seu túmulo foi fechado enquanto a família e amigos cantavam a música de Milionário e Jose Rico, “Estrada da vida”, marcando o trecho; “ Mas o tempo cercou minha estrada, e o cansaço me dominou, minhas vistas se escureceram, e o final da corrida chegou…”