INSS liberou 12 bilhões em consignados no nome de crianças e adolescentes

Levantamento aponta 763 mil empréstimos ativos em benefícios de menores, com casos até de bebês endividados, enquanto nova gestão do INSS promete revisão dos acordos com bancos
Cerca de 763 mil empréstimos consignados ativos estão hoje no nome de crianças e adolescentes em todo o país, com valor médio de 16 mil reais por contrato. Ao todo, aproximadamente 12 bilhões de reais foram liberados em operações desse tipo, ligadas a benefícios previdenciários e assistenciais destinados a menores de idade.
Esses empréstimos foram feitos tendo como garantia benefícios como o Benefício de Prestação Continuada, o BPC, e pensões por morte, sempre por meio dos responsáveis legais. A consequência é que a renda que deveria garantir moradia, alimentação e cuidados básicos para crianças e adolescentes está comprometida com o pagamento de dívidas bancárias.
Um levantamento identificou mais de 395 mil contratos averbados no ano de 2022, feitos por instituições financeiras com base em benefícios de menores. A faixa etária com maior número de registros é a de 11 a 13 anos, o que indica um cenário de endividamento precoce, ainda na pré-adolescência.
Entre os casos que mais chamam a atenção estão os de bebês já endividados nos primeiros meses de vida. De acordo com dados internos do INSS mencionados por entidades de defesa dos direitos da criança, houve registros de pelo menos 15 contratos firmados em nome de menores de um ano em 2022. Em um dos exemplos, uma criança nasceu em maio e, no fim do mesmo ano, já tinha uma dívida superior a 15 mil reais, parcelada em 84 vezes. Em outro, um bebê de três meses aparecia como titular de um empréstimo via cartão de crédito consignado de mais de 1,6 mil reais.
Especialistas lembram que crianças e adolescentes são considerados incapazes para os atos da vida civil e que a legislação brasileira prevê proteção integral, o que inclui a preservação da renda mínima para sua sobrevivência. Organizações da sociedade civil defendem a anulação desses contratos e responsabilização das instituições financeiras e dos agentes públicos envolvidos.
O escândalo dos consignados em nome de menores se soma à chamada “farra do INSS”, que revelou descontos indevidos em benefícios de aposentados e pensionistas e resultou em investigações da Polícia Federal e de órgãos de controle. As apurações levaram à saída do antigo presidente do INSS e do ministro da Previdência, abrindo espaço para mudanças no comando da autarquia.
O atual presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior, informou que o órgão está revisando todos os acordos com instituições bancárias e reduziu de 74 para 59 o número de parceiras, após a identificação de irregularidades. Ele também afirmou que, desde o dia 1, novos empréstimos consignados só podem ser contratados com biometria do próprio beneficiário, em uma tentativa de coibir fraudes e reforçar a segurança nas operações.
Mesmo assim, os contratos já firmados seguem em vigor, e as famílias continuam vendo os benefícios de crianças e adolescentes reduzidos pelos descontos mensais. O debate agora se concentra em como reverter esse quadro, garantir que os menores não continuem pagando por dívidas que jamais poderiam ter assumido e impedir que situações semelhantes voltem a se repetir.