CANTAGALO

Documentos confidenciais mostram como o governo monitorou o avanço do MST em Cantagalo

Na década de 1980, quando o movimento começou a ganhar força, fazendas foram invadidas em Cantagalo e assustaram a população

Por Luiz Carlos da Cruz

Cantagalo (PR) – A história do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) se confunde com a história do município de Cantagalo. Em 1987, cinco anos após a emancipação política de Cantagalo, integrantes do movimento chegaram em peso à cidade, e fazendas foram invadidas no interior do município, o que assustou a população local.

Documentos confidenciais da época, aos quais o Portal Cantagalo teve acesso, mostram que o governo federal monitorou, passo a passo, a movimentação. Boa parte desses documentos foi produzida pelo próprio Estado.

No dia 16 de outubro de 1987, a Fazenda Cavaco, de propriedade de Irineu de Paula Mendes, foi ocupada por aproximadamente 300 famílias. Irineu chegou a ser candidato a vice-prefeito pelo PDS na primeira eleição municipal, em uma chapa encabeçada pelo médico Elzio Teixeira Machado.

Na época, o proprietário da fazenda entrou na Justiça com uma ação de reintegração de posse, que teve liminar concedida no dia 30 de outubro daquele ano. A Secretaria de Segurança Pública do Paraná havia programado uma ação de despejo dos invasores para o dia 30 de novembro, mas a decisão foi abortada porque “o clima na região não estava propício”, como noticiou o jornal O Estado do Paraná em 2 de dezembro de 1987.

Cantagalo vivia momentos de extrema tensão, já que a população temia saques em supermercados por parte dos sem-terra, conforme relatou o prefeito da época, Guilherme de Paula Neto. De fato, a tensão era grande, e houve, inclusive, a tentativa de sequestro de um fiscal da prefeitura e de um subtenente que estavam em uma viatura oficial do município, com o objetivo de forçar uma negociação. Segundo o documento, que cita como fonte palavras do então prefeito, os dois foram salvos por alguns padres que dispersaram os sem-terra.

No documento confidencial, outro relato do prefeito informava que o MST estava recebendo apoio e orientação do bispo Dom Albano Bortoletto Cavallin, da Diocese de Guarapuava, e de padres ligados à Pastoral da Terra.

Entre os integrantes do movimento, havia pessoas insatisfeitas. Naquele ano, no dia 24 de novembro, um casal identificado como Amadeus Lemes e Salete Lemes, pais de dez filhos, procuraram a Prefeitura de Cantagalo para pedir auxílio para retornar a Foz do Iguaçu.

O casal havia participado de uma reunião no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Medianeira, presidido na época por Afonso Kamer. Eles relataram que, nessa reunião, foram informados de que havia uma área desapropriada pelo Incra em Cantagalo. Outro participante da reunião, identificado como Anildo Ferreira, confirmou que a área estava desapropriada e que o Instituto de Terras Cartografias e Florestas (ITCF) já estava fazendo a medição da área. Animados com a notícia — que se revelou uma “fake news” — e auxiliados por um padre de Foz do Iguaçu, decidiram ir para Cantagalo para ocupar, supostamente, uma área pré-determinada.

Ao chegarem na área, perceberam que não havia desapropriação e que o espaço havia sido invadido. Os sem-terra guarneciam o local portando armas de fogo, facas e facões.

O casal relatou ainda que um dos líderes do movimento, identificado por eles como “Cabrito”, teria dito às famílias acampadas que, caso não atendessem às ordens de praticar saques em supermercados e de invadir a prefeitura, seriam “severamente punidos”, inclusive maltratados e amarrados em árvores. Isso amedrontou o casal, que decidiu abandonar o acampamento e pedir auxílio. Essa mesma declaração foi dada pelo casal à reportagem da Rádio Difusora, de Guarapuava.

O MST também fez denúncias contra a polícia. O líder Roberto Baggio relatou à imprensa, no dia 16 de novembro, que um ônibus com 40 pessoas que saiu de Curitiba para levar apoio às famílias em Cantagalo estava sendo impedido pela Polícia Civil de Guarapuava de seguir viagem. O então delegado da 14ª Subdivisão Policial (SD), Antônio Boscardim, admitiu que não permitiu que o ônibus chegasse até a área ocupada para “disciplinar a entrada das pessoas no Estado”.

Fazenda Jarau

Também de propriedade de Irineu de Paula Mendes, a Fazenda Jarau foi ocupada na mesma data. Apenas 30% das famílias que fizeram a ocupação foram recrutadas em Cantagalo; as demais vieram de outros municípios. Segundo os documentos, nas duas fazendas havia cerca de 700 cabeças de gado. O advogado José de Paula Xavier, procurador do proprietário, foi quem ajuizou o pedido de reintegração de posse.

Outro documento confidencial relata duas reuniões realizadas na Casa de Líderes, da Diocese de Guarapuava, nos dias 20 e 24 de novembro de 1987, que tentaram solucionar o impasse agrário. Participaram representantes da Igreja Católica, Governo do Paraná, MST, Comissão Pastoral da Terra, União Democrática Ruralista (UDR), autoridades de Cantagalo, entre outros. O secretário de Segurança Pública do Paraná, Antônio Lopes de Noronha, foi um dos participantes.

O prefeito Guilherme de Paula Neto disse, no encontro, que Cantagalo vivia um clima de “amargura e apreensão” com as constantes ameaças de saques à prefeitura e ao comércio local. Ele reclamou da restrição que os sem-terra impunham aos habitantes da região, impedindo-os de chegar às áreas arrendadas sob pressão de armas. Afirmou que a prefeitura buscava uma solução pacífica, sem conflitos; contudo, destacou que não aceitava que os sem-terra da região fossem preteridos pelos invasores da Fazenda Jarau, que eram oriundos de outros municípios.

Os documentos, confindenciais para a época, hoje estão no Arquivo Nacional.

 

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